quarta-feira, novembro 17, 2010

A Importância dos Dividendos

Quando um investidor compra uma acção pode esperar obter um retorno de duas formas: valorização do capital e distribuição de dividendos. No entanto, muitas vezes a componente de dividendos é menosprezada, recaindo a atenção na performance de curto prazo da cotação das acções, ou seja, nas variações que no dia-a-dia vão ocorrendo.

Para o investidor em valor, que se concentra na detecção de bons investimentos que produzam excelentes retornos a prazo, os dividendos podem representar um elemento relevante na obtenção desses resultados. Na verdade, se analisarmos por exemplo, as rentabilidades obtidas pelo mercado americano nos últimos 100 anos, que foi de 9.6%/ano, cerca de 47% desse resultado deveu-se à componente de dividendos distribuídos1.

Os dividendos são pagamentos efectuados por uma empresa aos seus accionistas, fruto de uma decisão de distribuição dos lucros (os resultados líquidos) relativos ao último exercício ou de exercícios anteriores. Normalmente são pagos anualmente. Nos Estados Unidos tipicamente são distribuídos com periodicidade trimestral.

O Sinal da Distribuição de Dividendos
Uma política de distribuição de dividendos pode transmitir uma mensagem valiosa sobre o desempenho de uma empresa e as suas perspectivas futuras. A capacidade e vontade de uma empresa de pagar constantemente dividendos ao longo do tempo, e de aumentá-los, fornece boas pistas sobre os seus fundamentos económicos e sustentabilidade financeira a prazo.

A decisão do nível de dividendos a ser distribuído pelos accionistas é relevante e pode igualmente sinalizar o estádio de desenvolvimento em que se encontra uma empresa. Empresas mais maduras e rentáveis normalmente pagam dividendos mais altos, enquanto que empresas de crescimento preferem conservar os seus resultados para financiar o crescimento da sua actividade pois acreditam que obterão resultados acima da média com esse investimento.

A progressão da Microsoft através do seu ciclo de vida é um exemplo demonstrativo da relação entre dividendos e crescimento. Quando a empresa de Bill Gates era uma empresa de forte crescimento e bem sucedido, não pagou nenhum dividendo, e todos os lucros obtidos serviam para serem reinvestidos no negócio por forma a impulsionar crescimento adicional. Eventualmente, o negócio de software chegou a um ponto em que já não poderia crescer às mesmas taxas anormais. Assim, em vez de recompensar os accionistas por intermédio de valorizações do capital, como havia acontecido até então, a empresa começou a usar dividendos e recompras de acções como forma de remunerar os accionistas. O plano foi anunciado em Julho de 2004, quase 18 anos após a entrada da empresa para a bolsa. O plano de distribuição de dinheiro da Microsoft colocou, em 4 anos, quase 75 mil milhões de dólares no bolso dos investidores, através de dividendos trimestrais regulares de 8 cêntimos, um dividendo especial único de 3 dólares por acção, e um programa de recompra de acções de 30 mil milhões de dólares. Em 2010, a empresa ainda mantém uma política de dividendos e está a pagar dividendos de 2,44%.

A Taxa de Dividendo
A taxa de dividendo de uma empresa mede o montante dos rendimentos distribuídos na proporção do preço da acção. Se uma empresa tem um dividendo baixo em comparação com outras empresas do seu sector, isso pode significar:
- Ou o preço das acções está muito alto pois o mercado considera que a empresa tem perspectivas de crescimento significativas e não está excessivamente preocupada com o nível de pagamentos de dividendos da empresa, ou
- a empresa está em apuros e não pode pagar dividendos razoáveis. Da mesma forma, uma taxa de dividendo muito alta pode sinalizar uma sociedade doente com uma cotação extremamente deprimida.

Índice de Cobertura de Dividendos
Quando se avalia uma empresa que distribui dividendos, deve-se analisar se a empresa terá capacidade para manter a sua política de dividendos. A rácio entre os dividendos distribuídos e os resultados da empresa – conhecido como rácio de pagamento de dividendos (pay-out ratio) – permite ter uma percepção da percentagem dos resultados que é paga como dividendos e se esse rácio pode ser sustentável a prazo.

Normalmente, os investidores podem sentir-se seguros com um rácio de 40% a 60%. Se o rácio for superior a 100% a empresa estará usando lucros acumulados de anos anteriores ou mesmo endividamento para financiar o pagamento de dividendos do ano corrente. Se os resultados não recuperarem para o futuro, esta política não será sustentável, colocando em causa a saúde financeira da empresa.

Ao mesmo tempo, se o rácio de pagamento de dividendos é muito baixo, os investidores devem-se perguntar se a administração da empresa está a reter os lucros sobrantes para os aplicar em investimentos rentáveis ou não. Empresas que consistentemente vão aumentando os seus dividendos estão a sinalizar o mercado de que o seu negócio continua a crescer e irá gerar maiores lucros para o futuro.

Grande Disciplinador
Os dividendos podem trazer mais disciplina para a decisão de alocação de capital por parte da administração de uma empresa. Reter demasiados lucros pode conduzir a excessos de remuneração para executivos, relaxamento da gestão e uso improdutivo dos recursos. Estudos demonstram que quanto mais dinheiro uma empresa mantém, maior a probabilidade de que poderá pagar de mais por aquisições e, por sua vez, reduzir o valor do accionista. Já as empresas que pagam consistentemente dividendos tendem a ser mais eficientes no uso do capital, sendo até, aliás, menos susceptíveis enveredarem por práticas de contabilidades criativas.

Finalmente, os dividendos são compromissos públicos das administrações. Quebrá-los é embaraçoso para a gestão e prejudicial para o preço das acções.

Tributação dos Dividendos
Uma das críticas mais apontadas aos dividendos é a de que são excessivamente tributados. Na verdade os dividendos são rendimentos duplamente tributados uma vez que já pagaram IRC por conta dos lucros da empresa e, quando são distribuídos pelos accionistas, são retidos na fonte, em Portugal, 20% em sede de IRS. De notar, igualmente, que se os dividendos forem de empresas estrangeiras podem também ser tributados duplamente, no país da fonte dos dividendos e no país de origem do investidor.

Dividendos no Contexto Actual de Mercado
Actualmente, o apetite dos investidores por acções, tendo em conta a crise que atravessamos e a volatilidade dos mercados nos últimos anos, é muito diminuto. No entanto, é nestas alturas que se podem encontrar excelentes investimentos a prazo, a preços substancialmente abaixo do seu valor intrínseco.

Numa altura em que:
- as taxas oferecidas por depósitos a prazo são extremamente baixas,
- os investimentos em PPR’s não produzem os resultados esperados,
- os produtos estruturados oferecidos pelos bancos não produzem qualquer retorno e
muitas carteiras de acções estão paradas devidos às fortes desvalorizações que sofreram (muitas vezes com investimentos que neste momento já não serão os mais adequados),

é possível detectar potenciais investimentos em bons títulos:
- grandes empresas, representadas por boas marcas,
- com boas perspectivas futuras e
- com bons dividendos, muitas vezes superiores às taxas de juro oferecidas pelos mais variados produtos de taxa fixa existentes no mercado.

São investimentos com taxas de dividendo atractivas, que possuem boas probabilidades de poderem vir a crescer no futuro, e que são pagas regularmente enquanto os investidores aguardam pela obtenção de uma boa rentabilidade do seu capital investido, através de uma valorização das cotações.

Deixamos ficar o exemplo de três empresas, algumas já recomendadas nesta rubrica, com boas taxas de dividendos, com rácios de distribuição de dividendos razoáveis e relativamente baratas em termos de Price Earnings Ratios (PER’s, ou seja, o preço das acções em relação aos lucros que a empresa gera).



Disclaimer: Este comentário consiste unicamente numa opinião do autor e nunca uma recomendação de compra ou venda. As compras e as vendas são da responsabilidade do investidor, bem como os lucros ou as perdas daí resultantes. O Autor pode ter, e provavelmente tem, posições nos títulos referidos. Em caso de dúvida, o investidor deverá procurar contactar um intermediário financeiro, a Euronext ou a CMVM.

segunda-feira, novembro 15, 2010

Acções

Uma acção é um título financeiro que representa uma parcela do capital social de uma empresa - sociedade anónima. É com o capital social que as empresas iniciam a sua actividade comprando máquinas e mercadorias, pagando salários dos seus trabalhadores e administração e todas as despesas de produção. Deste modo, as acções significam uma pequena porção de um negócio que desenvolve a sua actividade com vista à realização de lucros, valorização do capital investido e à distribuição de dividendos pelos seus accionistas.

As acções podem ser transaccionadas ao balcão (OTC), ou seja, tendo como intermediário uma instituição bancária, ou através de uma bolsa de valores, se a empresa optar por cotar o seu negócio em bolsa. Neste caso, a empresa coloca à venda em bolsa um determinado número inicial de acções, no chamado mercado primário. Seguidamente, essas acções podem ser transaccionadas entre os investidores, no mercado secundário, onde são realizados os negócios, apuradas as cotações, e onde as empresas têm deveres de prestação de informação financeira regular e de notícias relevantes para o futuro do negócio.

O número de acções que representam o capital de uma empresa é subjectivo e fica normalmente ao critério dos sócios-fundadores a sua definição. Pelo facto do número de “fatias” em que é cortado o “bolo” do capital social poder ser variável, não se pode comparar directamente o preço de duas acções simplesmente pelo seu valor absoluto, uma vez que pode simplesmente significar que, por exemplo, uma acção tem uma cotação mais alta pois tem menos acções/”fatias” a representar o seu capital.

A propriedade de acções confere vários direitos aos seus detentores, nomeadamente:
- Direito de assistência e voto nas Assembleias Gerais, sendo o voto proporcional à quantidade e classe das acções detidas (podendo existir diferentes classes com diferentes direitos de voto);
- Direito à distribuição de dividendos se para tal existirem resultados e essa for a decisão da sociedade, em função da quantidade de acções detidas, e da respectiva classe;
- Direito à quota-parte da situação líquida apurada no caso de liquidação da sociedade.

As empresas, para a abertura do seu capital em bolsa, podem ter como motivação: a necessidade de angariação de capital para suporte da sua actividade operacional e de planos de expansão; permitir aos seus accionistas uma valorização mais fácil e imediata das suas acções; dar liquidez aos accionistas para poderem gerir com maior flexibilidade as suas posições; para abrirem o capital a novos accionistas de referência, etc.

Depois de cotadas em bolsa, as acções podem estar sujeitas a diversos eventos, sendo de destacar os aumentos de capital (quando a empresa faz uma nova ronda de emissão de acções para angariação de novo capital), os splits (quando a empresa decide dividir o seu capital/“bolo” por um maior número de “fatias”) e os spinoffs (quando a empresa decide separar um negócio independente da actividade base da empresa, distribuindo pelos seus accionistas acções desse negócio).

Acções para o Longo Prazo

Num artigo do Jornal Expresso do ano passado (Agosto de 2009), foram analisados os retornos de várias classes de activos durante os últimos 16 anos, ou seja, de 1993 a 2009. A conclusão foi a de que, nesse período de tempo, o melhor investimento foram as acções com rendimentos anuais de 9,23%, apesar de durante este período termos tido duas grandes correcções no mercado de capitais, a primeira entre 2002 e 2003 e a segunda entre 2007 e 2009, esta a pior crise dos últimos 80 anos. Num período onde a inflação anual se situou nos 3,3%, a dívida pública obteve um desempenho de 7,9%, os certificados de aforro 5,6% e os depósitos a prazo conseguiram 4,2%, ainda assim acima da inflação. A classe do imobiliário foi a que apresentou a pior performance com uma rentabilidade anual de 2,5% ao ano.

Vários outros estudos internacionais comprovam estes resultados em mercados estrangeiros. De facto, se compararmos os retornos das várias classes de activos ao longo dos últimos 86 anos (de 1921 a 2003) para o mercado americano, como podemos ver no gráfico anexo, a aplicação de um dólar em bilhetes do tesouro americano (dívida de curto prazo) resultaria hoje num valor de 26$, enquanto que o mesmo investimento em acções valorizaria para 7.429$, ou seja, cerca de 285 vezes mais. Isto apesar de termos tido pelo meio um Grande Depressão, uma Guerra Mundial, duas crises petrolíferas, o crash de 1987 e o rebentar da bolha tecnológica em 2000.



O Investimento em Valor

No entanto, o investimento em acções para ser bem sucedido a prazo, deve ser fundamentado e focado na detecção de bons negócios a preços baixos e que permitam a obtenção de uma margem de segurança do investimento, que proteja o capital investido e maximize a sua rentabilidade. Esta filosofia de investimento foi desenvolvida nos anos 30 e denomina-se Investimento em Valor. Segundo os seus fundadores, Benjamin Graham e David Dodd, uma operação de investimento deve ser, obrigatoriamente, caracterizada por uma análise cuidada, e deve prometer, a prazo, a segurança do capital investido e um retorno satisfatório. Todas as operações que não se enquadrem nesta categoria devem ser consideradas de operações especulativas.

“O investimento em acções é mais inteligente quando é focado no negócio”, diriam. Se não o fizer, o investidor corre o risco de ficar com empresas que não compreende, de se assustar mais facilmente com movimentos adversos das cotações ou de se preocupar com notícias que não são as mais relevantes para o futuro do negócio. Investimentos mal definidos e preparados podem ser extremamente custosos.

Enquadrado nesta filosofia, o investimento em acções pode ser encarado como um investimento num activo que, indirectamente, produz rendimentos (os lucros) sobre os quais o accionista tem direito. Tal como um imóvel que produz rendas ou uma obrigação que paga juros sob a forma de cupão. Esses rendimentos obtidos acabam por se reflectir, a prazo, no valor das cotações, e podem crescer com o tempo.

O investimento em acções pode ser um tarefa simples, mas não é fácil. Implica análise criteriosa dos dados da empresa, disciplina, enfoque na determinação do valor dos negócios que se selecionados e paciência para a realização do investimento apenas quando se obtém margem de segurança para o fazer e para esperar que o mesmo dê frutos a prazo. Um investimento conservador é um investimento que compra um activo a um preço substancialmente inferior ao que realmente vale.

Parafraseando o melhor investidor de todos os tempos, Warren Buffett, investir em acções é comprar negócios (ou uma percentagem desse negócios) com fundamentos económicos excelentes, geridos por pessoas honestas e capazes a preços substancialmente abaixo do seu valor justo. Investir deve ser antes de mais proteger o capital inicial e potenciar a sua rentabilidade para o futuro.

Disclaimer: Este comentário consiste unicamente numa opinião do autor e nunca uma recomendação de compra ou venda. As compras e as vendas são da responsabilidade do investidor, bem como os lucros ou as perdas daí resultantes. O Autor pode ter, e provavelmente tem, posições nos títulos referidos. Em caso de dúvida, o investidor deverá procurar contactar um intermediário financeiro, a Euronext ou a CMVM.

Hugo Roque