Ninguém toma más decisões intencionalmente. No entanto, elas acontecem inúmeras vezes. Na verdade, alguns dos maiores desastres da história económica recente – a queda de grandes bancos de investimento e o colapso financeiro mundial – foram o resultado de decisões aparentemente razoáveis tomadas por pessoas inteligentes. Como foi isto possível?
O processo correcto para se decidir bem, especialmente quando as decisões são de extrema complexidade e importância, entra em conflito directo com a forma como a nossa mente funciona naturalmente. Quando confrontados com situações complicadas, os nossos cérebros tendem a reverter para padrões excessivamente simplificados que obscurecem melhores abordagens para esses problemas. Mesmo quando achamos que estamos a aplicar a lógica e a razão, nós estamos, subconscientemente, a render-nos a influências sociais ou situacionais. O ramo da Economia das Finanças Comportamentais (Behavioral Finance) estuda como muitas destas limitações afectam negativamente as decisões teóricas óptimas dos agentes económicos, tornando-os indivíduos, não tanto racionais, mas racionalizantes. Aplicadas à actividade de investimento, as suas conclusões são extremamente valiosas e de grande utilidade para o investidor em valor.
O investimento não é um jogo onde o individuo com um QI de 160 bate o indivíduo com 130… Possuindo inteligência normal, o que o investidor necessita é do temperamento certo para controlar os instintos naturais que levam a que outros investidores tenham problemas com os seus investimentos”. Warren Buffett
Excesso de Confiança
Múltiplas sondagens sobre os mais variados temas demonstram que os seres humanos possuem por natureza excesso de confiança. A maior parte das pessoas acha que conduz melhor que a generalidade dos condutores, que são capazes de prever com facilidade o tempo necessário para a conclusão de determinado projecto de investimento, que o seu negócio tem maiores hipóteses de sobreviver que o do seu concorrente. As estatísticas demonstram que estas crenças são infundadas e podem levar a decisões erradas. O excesso de confiança, traduzido pelas ilusões de superioridade, de optimismo e de controlo, quando aplicado ao investimento, pode conduzir a: investimentos em áreas fora do nosso círculo de competências onde não possuímos experiência e conhecimentos suficientes; a um endividamento excessivo que pode colocar em causa os investimentos; ou a um excesso de negócios (trading) e ao consequente aumento dos custos de negociação.
Comportamento em “Rebanho”
Quando um grupo de pessoas é confrontado com um problema e chega a uma conclusão que não é do consenso geral, e mesmo quando essa minoria sabe que essa conclusão é errada, tende a suportar a mesma ideia do grupo para não ficar na desconfortável situação de ter uma opinião contrária. Os mercados estão sujeitos às emoções mais primárias da espécie humana, como o medo e a ganância, e em situações extremas, e quando reforçadas por condições de incerteza e ignorância, a tendência natural dos investidores é para se seguir cegamente o que toda a gente está a fazer, independentemente da racionalidade económica desse comportamento. Vários estudos confirmam esta ideia. Por exemplo, de 1984 a 1995, a média de retornos dos fundos de investimento americanos foi de 12.3% (contra 15.4% do S&P500, o índice de referência). No entanto, o investidor médio destes fundos apenas conseguiu obter uma rentabilidade de 6.3%. Ou seja, isto significa que nestes 12 anos o investidor em fundos de investimento poderia ter ganho 2 vezes mais se simplesmente mantivesse o seu investimento nesses fundos e quase 3 vezes mais se o mantivesse num fundo representativo do índice de referência. No entanto, o medo e a ganância levaram a que o investidor destes fundos os comprasse e vendesse nas piores alturas, precisamente quando deveria ter a atitude contrária.
Aversão a Perdas
As pessoas sentem a dor da perda financeira duas vezes mais do que o prazer de um ganho equivalente. Por exemplo, foi apresentado um jogo a dois grupos de pessoas, um de pessoas com cérebros normais e outro de pessoas com problemas cerebrais que as tornaram menos sujeitas a este género de emoções. A cada indivíduo é atribuído um capital inicial de 20$ e a liberdade para jogar um “jogo da moeda ao ar”. Cada jogo custaria 1$ e saísse cara perderia o valor correspondente ao custo do jogo e se saísse coroa ganharia 2.5$ (depois do custo). As pessoas com problemas cerebrais jogaram 84% das vezes, enquanto que as pessoas com cérebros normais jogaram 63%. O medo das perdas e o nosso ego faz-nos vender boas ideias de investimento demasiado cedo ou manter investimentos perdedores por muito tempo.
Amplificação de Eventos Recentes
A maior parte das pessoas tem a tendência para amplificar exageradamente o significado das experiências recentemente vividas. Por um lado, porque são os acontecimentos que se lembram mais facilmente, mas por outro, porque vivenciaram de pertos as consequências desses eventos. Qualquer indivíduo tem facilidade em detectar padrões com base em informação recente extremamente limitada ou em se deixar prender por convicções de curto-prazo de questionável racionalidade ou ainda de se precipitar para conclusões que não são de tão clara decisão. Por exemplo, qualquer investidor é facilmente influenciável por determinado padrão recente de resultados líquidos de uma empresa, ou inúmeras vezes fica à espera de determinado preço de compra ou de venda porque esse preço foi atingido recentemente ou ainda é conduzido para decisões de investimento influenciado pelo que leu num fórum de investimento e que foi confirmado pela performance positiva do activo em questão nesse dia. Toma-se maior atenção a notícias que confirmam a nossa ideia de investimento do que àquelas que a contrariam. Outras consequências da amplificação das experiências recentes resultam da forma como se lida com os resultados das nossas decisões de investimento. Se por um lado existe uma tendência para a apropriação excessiva de bons resultados obtidos no curto prazo como consequência de eventuais capacidades acima da média, por outro, quando os resultados são maus, são amplificados outros motivos menores para os justificar.
O investidor em valor, como indivíduo que tendencialmente se posiciona contra a maioria do mercado, deve contar no seu processo de investimento com estas limitações sérias e naturais do cérebro humano. Deve ser humilde, ter espírito de abertura, aprender com os erros e ter em atenção que: experiências passadas e os seus resultados são instrumentos válidos de análise; a procura e exploração do potencial resultado de opiniões contrárias à sua, ajudam a uma melhor clarificação das ideias base; não se deve simplificar exageradamente problemas que são intrinsecamente complexos; a influência que outros possam ter sobre ele é um condicionador relevante; se deve perceber quando realmente se deve confiar nos supostos especialistas e quando não o fazer; quando os factos mudam, se deve rever também as opiniões.
Disclaimer: Este comentário consiste unicamente numa opinião do autor e nunca uma recomendação de compra ou venda. As compras e as vendas são da responsabilidade do investidor, bem como os lucros ou as perdas daí resultantes. Em caso de dúvida, o investidor deverá procurar contactar um intermediário financeiro, a Euronext ou a CMVM.
Hugo Roque
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